O estudo apresentado compõe a obra “O Feminino na sociedade mediática: contribuições dos estudos do imaginário”, organizada sob direção da Prof. Drª. Malena Segura Contrera.
Dentro espectro temático “mídia, imaginário e feminino”, o fio condutor desta argumentação caminha em direção a uma abordagem interdisciplinar de problemas do mundo tecnológico avançado no que concerne às macrorrelações sistêmicas e às hibridações tipificadas da intersecção inextricável entre os seguintes blocos temáticos: (i) imaginário e feminino e (ii) submundo, cultura digital e vida cotidiana.
Na circunferência desta pesquisa, o submundo do ciberespaço é definido como uma configuração exploradora e patriarcal da sexualidade humana, na direção da mercadoria, completamente abandonada pelo sistema judiciário internacional. Tratam-se de grandes estruturas de poder, regidas por proprietários ocultos, que operam cuidadosamente em regime de comunhão entre si em prol da organização, da produção e da circulação de performances eróticas hiper-reais, majoritariamente do gênero feminino, produzidas com direções mercadológicas bem delineadas. Assim, a violência implacável contra a mulher (física, simbólica e invisível) é apresentada como mercadoria precificável na rede (em tempo real ou não) para consumo do homem heterossexual.
No rastro dessa perversidade, todos os sites adultos, de toda parte do mundo, sequestram a identidade da vítima por meio de um único modelo de contrato trabalhista , no qual a mulher é condicionada a ceder a licença gratuita e vitalícia da sua imagem para o proprietário oculto dos sites adultos e de todos os seus associados. O paradoxo desse cenário envolve, necessariamente, o questionamento sobre como é possível que um retrocesso histórico deste porte esteja em vigência no Brasil, tendo em vista que os direitos e garantias fundamentais do indivíduo estão assegurados pela Constituição Federal Brasileira de 1988.
Em sentido amplo, a análise debruça-se especificamente sobre a regressão histórica no que se refere aos direitos sociais e civis das mulheres e ao uso predatório do imaginário por meio da publicidade empresarial na rede. Em sentido restrito, a proposta volta-se para o desvelar do modo pelo qual o submundo apropria-se da semântica dos conceitos nobres da subjetividade humana (tais como empoderamento feminino e liberdade) e arquetípicos (entre eles conexão emocional e vínculo comunicativo) para colonizar a ideologia do imaginário feminino por meio do enlouquecimento desses significantes. Destaca-se que a discussão sobre a temática é do ponto de vista social e político, e não moral. Afinal, conforme esclarece Edgard Morin (1988, p.101) a potência do imaginário é amoral; a alma é amoral.
No que tange a esteira conceitual, o imaginário é acolhido pela escola teórica de Edgard Morin (1986, 1988, 1973, 1998, 2000, 2015) em articulação com a escola de Cornelius Castoriadis (1986). No que se refere à articulação teórica entre submundo, cultura digital e vida cotidiana, trabalha-se em com autores críticos das teorias da comunicação e da cultura digital, entre eles: Boris Cyrulnik (1995, 1999), Eugênio Trivinho (2007, 2021, 2022), Guy Debord (1997), James Hillman (1993, 1994), Jean Baudrillard (1991, 2001), Malena Segura Contrera (2002, 2005, 2010, 2021), Theodor W. Adorno (1951, 1984) e Zygmunt Bauman (2000, 2003, 2007).
Com tais características, a presente pesquisa justifica-se (i) pela urgência em descortinar a violência invisível (dos contratos) e simbólica (dos anúncios publicitários) do submundo no que ambos retroagem na reprogramação do imaginário — já bem-sucedida — sobre as vítimas internas e externas, assim como (ii) pela tentativa de impedir que os tentáculos do submundo passem pela alfândega universitária. Objetiva-se, assim, o estímulo da tomada de consciência do processo de reprogramação ideológica do imaginário por meio da leitura dos discursos mediáticos de modo não-ingênuo e do contrato trabalhista, trazendo para a mesa de discussão aspectos comunicacionais, éticos, sociais, políticos e jurídicos.